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Rio de Janeiro, Av. Central no fim do século XIX e início do século XX. daqui |
Memorial Saturnino
Já perto do portão do cemitério, à saída, falei a mana Rita de uma senhora que eu vira ao pé de outra sepultura, ao lado esquerdo do cruzeiro, enquanto ela rezava. Era moça, vestia de preto, e parecia rezar também, com as mãos cruzadas e pendentes. A cara não me era estranha, sem atinar quem fosse. E bonita, e gentilíssima, como ouvi dizer de outras em Roma.
— Onde está? Disse-lhe onde estava. Quis ver quem era. Rita, além de boa pessoa, é curiosa, sem todavia chegar ao superlativo romano. Respondi-lhe que esperássemos ali mesmo, ao portão.
— Não! pode não vir tão cedo, vamos espiá-la de longe. É assim bonita?
— Pareceu-me. Entramos e enfiamos por um caminho entre campas, naturalmente. A alguma distância, Rita deteve-se.
— Você conhece, sim. Já a viu lá em casa, há dias.
Como não me lembrasse, Rita me olhou incrédula:
— Ora, na noite de ontem mesmo, dia dez de junho[1]. Você se lembra que mandei uma caçarola de macarrão com feijão? Quitute que a propósito que muito agradou e intrigou a todos e que suscitou longa discussão sobre qual seria o melhor talher e alguém disse que foi patenteada recentemente no norte o que seria a solução perfeita para a refeição, uma mistura de garfo e colher que lá chamam de spork[2], a combinação entre as palavras para garfo, fork e para colher, spoon. Mandei vir alguns porque essas novidades custam a aqui chegar.
Rita contou-me então alguma coisa da vida da moça e da felicidade grande que tivera com o marido, ali sepultado há mais de dois anos. Pouco tempo viveram juntos. Eu, não sei por que inspiração maligna, arrisquei esta reflexão:
— Não quer dizer que não venha a casar outra vez.
— Aquela não casa.
— Quem lhe diz que não?
— Não casa; basta saber as circunstâncias do casamento, a vida que tiveram e a dor que ela sentiu quando enviuvou.
— Não quer dizer nada, pode casar; para casar basta estar viúva.
Rita sorriu, deitando-me uns olhos de censura, e abanando a cabeça, como se me chamasse "peralta". Logo ficou séria, porque a lembrança do marido fazia-a realmente triste. Meti o caso à bulha; ela, depois de aceitar uma ordem de ideias mais alegre, convidou-me a ver se a Lua casava comigo; apostava que não.
— Com os meus sessenta e dois anos?
— Oh! não os parece; tem a verdura dos trinta. Pouco depois chegamos a casa e Rita almoçou comigo.
11 de junho - noite
Papel, amigo papel, não recolhas tudo o que escrever esta pena vadia. Querendo servir-me, acabarás desservindo-me, porque se acontecer que eu me vá desta vida, sem tempo de te reduzir a cinzas, os que me lerem depois da missa de sétimo dia, ou antes, ou ainda antes do enterro, podem cuidar que te confio cuidados de amor. Não, papel. Quando sentires que insisto nessa nota, esquiva-te da minha mesa, e foge. A janela aberta te mostrará um pouco de telhado, entre a rua e o céu, e ali ou acolá acharás descanso. Comigo, o mais que podes achar é esquecimento, que é muito mas não é tudo; primeiro que ele chegue, virá a troça dos malévolos ou simplesmente vadios.Assim, para não comprometer as figuras envolvidas, que são gente boa e respeitável, neste relato usarei pseudônimos, cada um receberá o nome de um deus romano e eu, que sou velho, serei Saturno. A viúva será a Lua e Rita que, como escrevi, além de boa pessoa, é curiosíssima, será Mercúrio.
12 de junho
A distração faz das suas. Hoje, vindo da cidade para casa, passei por esta, e dei comigo no Largo do Machado, quando o bonde parou. Apeei-me, e antes de arrepiar caminho, a pé, detive-me alguns instantes, e enfiei pelo jardim, em direção à Matriz da Glória, a olhar para a fachada do templo com a torre por cima. Fiz isto porque me lembrou a conversação da outra noite no Flamengo. A poucos passos, duas senhoras pareciam fazer a mesma coisa. Voltaram-se, eram nada menos que Lua e Vênus; estavam sem chapéu, tinham vindo a pé de casa. Viram-me, fui ter com elas. Pouco dissemos: notícias do barão, que está melhor, e do Aguiar, que está bom, e despedimo-nos. Vim para o lado do Catete, elas continuaram para o da matriz. A pequena distância, lembrou-me olhar para trás. Poderia fazer outra coisa? É aqui que eu quisera possuir tudo o que a filosofia tem dito e redito do livre-arbítrio, a fim de o negar ainda uma vez, antes de cair onde ele perde a mesma aparência de realidade; acabaria esta página por outra maneira. Mas não posso; digo só que não pude reter a cabeça nem os olhos, e vi as duas damas, com os braços cingidos à cintura uma da outra, vagarosas e visivelmente queridas.
Mais tarde, já na casa da Lua, onde Vênus passaria a noite, o criado veio avisar que Júpiter estava à porta:
— Voltando agora do meu passeio, lembrou-me subir e perguntar por V. Ex.a. O seu criado disse-me que ia jantar; ouso pedir-lhe um lugar à mesa.
— Um, dois, três, doutor, acudi eu, quantos a sua amizade pedir para o seu apetite.
Se, à primeira vista, em casa de Mercúrio, Júpiter não lhe causou bom aspecto, esta aparição repentina apenas agravou as ressalvas. Lua (percebe-se) está com vontade de achar algum defeito grande no afilhado do Aguiar, mas não acha nenhum, grande ou pequeno, e pesa-lho. O bem que diz dele é repetição confessada do que ouviu.
Quando foi o jantar foi servido, a Lua, afeita a temas marítmos, fez notar que a folha inteira do repolho que veio na guarnição lembra a concha de Afrodite na obra de Botticelli.
Diante de tal sugestão, Vênus pareceu sentir as espumas sob seus pés. Aos outros pareceu comovida e deliciosa mas como esta nada dissesse e os outros não quiseram ser indiscretos, assim nada perguntaram nem eu nada acrescento a essas linhas.
A Lua trouxe então nova conversa:
— As pimentas verdes[3] me trazem a memória Marte que esteve aqui recentemente nos visitando. São como suas pérolas pungentes.
Júpiter assentiu com a cabeça e sentindo na amiga uma sombra de tristeza da saudade (essa tão boa alma sente saudade até mesmo de Marte) e para mudar o assunto da atenção, perguntou às senhoras o que acharam da novidade que ele mesmo trouxe da sua temporada que esteve em visita (que parecia interminável, segundo seu testemunho) a Saturno, primeiro na sua casa das montanhas, um lugar muito seco, assaz desagrádavel mas que possibilitou observar o anfitrião em sua técnica de desidratação de alguns alimentos, partindo ambos após uma longa temporada para sua casa nas nuvens, onde ambos concordaram que essa técnica poderia servir a alimentar muito mais gente, pois a comida não estragaria tão rapidamente, poderia ser transportada no trem de ferro sem sofrer dano algum. Disse isso sendo aprovado pelas novas amigas, que mais tarde concordaram em achar-lhe todas as prendas morais e físicas.
No dia seguinte a Lua contou em carta a Mercúrio: “Quando demos por nós, tínhamos acabado de jantar. Ofereci-lhe charutos e o meu coração. Quero dizer que lhe pedi viesse muitas vezes dar-me aquela hora deliciosa. Retorquiu-me que dá-la não, mas tomá-la para si. Era a volta do cumprimento, e com graça".[4]
14 de junho
Depois de tomar ciência deste evento para o qual não só não fui convidado como recebi a ingratidão em troca da hospitalidade que ofereci a Júpiter, hoje a vi. Parece-me que pude ler a confissão dessa cumplicidade em seus olhos lindos e graves, pois pareceu detestar-me. E eu, por minha vez, detestei-a!. Estava cheia de si mas no seu semblante orgulhoso era notório que algo a incomodava. Sei que teve com Marte recentemente, e diz-se que ele não é mais o mesmo, voluntarioso e seco, está irreconhecível, não duvido que a tenha maltratado de alguma forma.
Cumprimentamo-nos de longe, polidamente. Ela pareceu aliviada à medida que se afastava de mim. Eu, que caminho com lentidão e às vezes sou obrigado a diminuir mais ainda o ritmo por causa do meu joelho, pude observá-la caminhar e parar em uma venda em que comprou ingredientes que compõem o pó de ouro.
Eu — aqui o digo ante Deus e o Diabo, se também este senhor me vê a encher o meu caderno de lembranças, — eu deixei-me ir atrás dela. Não era curiosidade, menos ainda outra coisa, era puro gosto estético. Tinha graça andando; era o que lá disse acima: encantadora. Não fazia crer que o sabia, mas devia sabê-lo. Ainda não encontrei encantadora que o não soubesse. A simples suposição de o ser tenta persuadir que o é. No Largo de São Francisco estava um carro dela, perto da igreja. Íamos da Rua do Ouvidor, a dez passos de distância ou pouco mais. Parei na esquina, vi-a caminhar, parar, falar ao cocheiro, entrar no carro, que partiu logo pela travessa, naturalmente para os lados de Botafogo.
Depois soube que ela ofereceu ao Sol uma agradável refeição, e o pó de ouro foi em homenagem a ele, que foi tratado como um rei. Mercúrio o acompanhou. Durante a visita conversaram e a doce Mercúrio colocou à sua disposição a casa da fazenda para que passasse alguns dias, ao que ela aceitou e anunciou que partiria dali a dois dias.[5]
16 de junho
Não a vi, mas Mercúrio contou que quando caminhavam pela manhã, antes da partida, as duas iam de braço ao lado do mar que não batia com força. A conversação não foi constante, porque a viúva levava os olhos no chão. Mercúrio passava as recomendações que pretendiam deixar mais confortável sua estadia, e olhava de quando em quando para ela; Lua falava pouco, e só então olhava para a outra.
Mercúrio notou a presença de Júpiter no cais, e suspeitou que Lua já o tenha percebido e que precisamente essa é a causa da sua introspecção. Ela o evita, o repudia, foi o que pareceu surpreender Mercúrio quando relatou o acontecido.[6]
Ouvi todas essas minúcias e ainda outras com interesse. Sempre me sucedeu apreciar a maneira por que os caracteres se exprimem e se compõem, e muita vez não me desgosta o arranjo dos próprios fatos. Gosto de ver e antever, e também de concluir. Esta Lua foge a alguma coisa, se não foge a si mesma. Querendo dizer isto a Mercúrio, usei do conselho antigo, dei sete voltas à língua, primeiro que falasse, e não falei nada; a mana podia entornar o caldo. Também pode ser que me engane. Não escrevo o resto. Quando ela acabou e contou o regresso, perguntei-lhe por que não viera ontem jantar comigo. Respondeu-me que, tendo de vir hoje, não queria ser convidada de véspera. Ri-me e fomos para a mesa, que estava posta. Ao centro um ramo de flores, ideia dela, que o mandou trazer às escondidas. Agradeci-lhe a lembrança, exprimindo-lhe todo o meu afeto, comemos alegremente, recordando anedotas da infância e da família.[6]
17 de junho
Ao levantar da cama, a primeira ideia que me acudiu foi aquela que escrevi ontem, à meia-noite: "Esta moça foge a alguma coisa, se não foge a si mesma".
18 de junho
Ora bem, a Lua mandou uma carta a Mercúrio, documento psicológico, verdadeira página da alma. Como ela teve a bondade de mostrar-ma, dispus-me a achá-la interessante, antes mesmo de a ler, mas a leitura dispensou a intenção; achei-a interessante deveras, disse-o, reli alguns trechos. Não tem frases feitas, nem frases rebuscadas; é simplesmente simples, se tal advérbio vai com tal adjetivo; creio que vai, ao menos para mim. Quatro páginas apenas, não deste papel de cartas que empregamos, mas do antigo papel chamado de peso, marca Bath, que havia na fazenda.
Conta que na casa da Mercúrio esteve entre tantos livros que foi levada a considerar sua qualidade absolutamente frágil e passageira, como a de todos nós, o que tornou os seus motivos de preocupação menos graves e definitivos. Também graças à natureza ao derredor, e também aos livros, nem viu o tempo passar, tão inteira e satisfeita que se encontrava. Tomando um à mão, um cartão postal[7] guardado entre as páginas chamou sua atenção. Quão pertinente encontrá-lo agora que repousava próximo a araucárias na serra da Mantiqueira.
O livro em questão é o Cozinheiro Nacional - Collecção das melhores receitas das cozinhas brasileira e européas[8] , publicado recentemente e, como não viaja desde a viuvez, sentiu-se jubilosa vendo dignamente imortalizadas nas páginas, tão organizadamente, pratos pouco valorizados e tão queridos[9]. Assim é a Lua.
Outro livro que a encantou mostra a seguinte estampa[10] com vegetais sopáveis, que despertou algo em seus afetos, e, finalmente, seu apetite.
A sopa de batata salsa com tartare de abobrinhas lhe caiu como o caldo restaurante, como dizem, e a levou realmente a recompor-se. Pôs-se então a escrever a carta para Mercúrio. A carta é longa, cheia de ternuras e saudades, coroada por um convite, estendido a mim, a uma soirée em sua casa, como agradecimento pela hospitalidade na fazenda.[11]
Diz que mandará servir ervilhas, perfeita em sua forma, sua cor e seu equilíbrio, como leu no seguinte recorte[12]
19 de junho
Minha boa Lua, a temporada lhe fez bem! Recebeu-nos ontem à noite.
...encantadora Lua! Não escrevo isto porque a deseje, mas porque é assim mesmo: encantadora!
Senti como se estivesse sendo exaltado por ela, mas Mercúrio também estava muito satisfeita com a atenção, estávamos os três muito juntos. Sem perder a discrição que lhe vai tão bem, a Lua abre a alma sem biocos, cheia de confiança que lhe agradeço daqui.
Confiou-nos haver perdoado Marte, e que suspeita que isso tenha causado mágoa na Vênus, que parecia recebê-la por quadratura apesar de se darem muito bem a ponto de uma posarem sem cerimônias uma em casa da outra. Terá com ela em breve e espera que tudo será resolvido. Logo chegarão, Vênus o Sol, então cearemos.
Logo que chegaram, trocamos todos cumprimentos afáveis, conversamos por uma boa meia hora e passamos à sala de jantar.
Realmente parecia haver algo da aresta já comentada entre as duas senhoras. Mas a noite transcorreu muito agradável. Conversamos de coisas várias, o Sol tocou um pouco de Mozart, ao piano. A execução veio porque falamos também de música, assunto em que a viúva acompanhou o recém-chegado com tal gosto e discrição, que ele acabou pedindo-lhe que tocasse também. Lua recusou modestamente, ele insistiu, Vênus reforçou o pedido; Lua acabou cedendo, e tocou um pequeno trecho, uma reminiscência de Schumann. Todos gostamos muito. Sol voltou ainda uma vez ao piano, e pareceram apreciar os talentos um do outro. Eu saí encantado de ambos. A música veio comigo, não querendo que eu dormisse. Cheguei cedo a casa, onze horas, e só perto de uma comecei a conciliar o sono; todo o tempo da rua, da casa e da cama foi consumido em repetir trechos e trechos que ouvira na minha vida. A música foi sempre uma das minhas inclinações, e, se não fosse temer o poético e acaso o patético, diria que é hoje uma das saudades. Se a tivesse aprendido, tocaria agora ou comporia, quem sabe?[13]
20 de junho
Encontrei a mana Mercúrio na rua pela manhã. Na despedida segredou-me a suspeita: "Parece que a Lua mordeu uma pessoa”; foram as próprias palavras dela.
— Mordeu? perguntei sem entender logo.
— Sim, há alguém que anda mordido por ela.
— Isso há de haver muitos, retorqui. Não teve tempo de me dizer nada, trepara ao bonde e o bonde ia sair; apertou-me a mão sorrindo, e disse adeus com os dedos. Jantará comigo hoje e haverá de clarear a sugestão. Ainda assim, não pude deixar de fazer minhas confabulações.
No dia seguinte à nossa visita, a Lua recebeu Júpiter e Vênus, agora com a mais verdadeira afeição. Pouco depois chegou o Sol, que vinha também visitá-la.[14]
Recordo-me de antontem, na reunião, eu mesmo suspeitei que o Sol está mordido pela viúva. Não têm outra explicação os olhos que lhe deita; são daqueles que nunca mais acabam. Realmente, é tímido, mas de uma timidez que se confunde com respeito e adoração. Se houvesse dança, ele apenas lhe pediria uma quadrilha; duvido que a convidasse a valsar. Conversaram alguns minutos largos, e por duas vezes, e ainda assim foi ela que principalmente falou. O Sol gastou o mais do tempo em mirá-la, e fazia bem, porque o gesto da dama era cheio de graça, sem perder a tristeza do estado.
Mercúrio jantou comigo e éramos ambos de acordo em nossas impressões. Antes de irmos para a mesa, vimos passar o enterro do Fernandes. Teve a pachorra de contar os carros; ai de mim, também eu os contava em pequeno; ela é que parece não haver perdido esse costume estatístico. O Fernandes levava trinta e sete ou trinta e oito carros.[15]
A mana, segura de si, não se faz de rogada e completou:
— Eu gosto de ver impressas as notícias particulares, é bom uso, faz da vida de cada um ocupação de todos. Já as tenho visto assim, e não só impressas, mas até gravadas. Tempo há de vir em que a fotografia entrará no quarto dos moribundos para lhes fixar os últimos instantes; e se ocorrer maior intimidade entrará também.
21 de junho
Quando cheguei hoje à cidade, eram duas horas, e ia a sair do bonde, chegou-se a ele a bela Lua, com o seu gracioso e austero meio-luto de viúva. Vinha de compras, naturalmente. Cumprimentamo-nos, dei-lhe a mão para subir. Perguntou-me pela mana, eu pelo tio, ambos por nós, e ainda houve tempo de trocar esta meia dúzia de palavras. Ela:
— Ainda agora?
— A minha preguiça de aposentado não me permitiu sair mais cedo, disse eu rindo, e afastei-me.
O bonde partiu. Na esquina estava não menos que o Sol sem olhos, porque ela os levava arrastados no bonde em que ia; foi o que concluí da cegueira com que não me viu passar por ele... Ai, requinte de estilo!
Entrei nesta dúvida, — se teriam estado juntos na rua ou na loja a que ela veio, ou no banco, ou no inferno, que também é lugar de namorados, é certo que de namorados viciosos, del mal perverso.
Talvez acabem casando. Tudo é possível debaixo do sol, — e a mesma coisa sucederá acima dele, — Deus sabe.
22 de junho
Esta manhã, como eu pensasse na pessoa que terá sido mordida pela viúva, veio a própria viúva ter comigo, consultar-me se devia curá-la ou não.
Achei-a na sala com o seu vestido preto do costume e enfeites brancos, fi-la sentar no canapé, sentei-me na cadeira ao lado e esperei que falasse.
— Conselheiro, disse ela entre graciosa e séria, que acha que faça? Que case ou fique viúva?
— Nem uma coisa nem outra.
— Não zombe, conselheiro.
— Não zombo, minha senhora. Viúva não lhe convém, assim tão verde; casada, sim, mas com quem, a não ser comigo?
— Tinha justamente pensado no senhor. Peguei-lhe nas mãos, e enfiamos os olhos um no outro, os meus a tal ponto que lhe rasgaram a testa, a nuca, o dorso do canapé, a parede e foram pousar no rosto do meu criado, única pessoa existente no quarto, onde eu estava na cama. Na rua apregoava a voz de quase todas as manhãs: "Vai... vassouras! vai espanadores!”
Compreendi que era sonho e achei-lhe graça. Os pregões foram andando, enquanto o meu José pedia desculpa de haver entrado, mas eram nove horas passadas, perto de dez. Fui às minhas abluções, ao meu café, aos meus jornais. Alguns destes celebram o aniversário da batalha de Tuiuti. Isto me lembra que, em plena diplomacia, quando lá chegou a notícia daquela vitória nossa, tive de dar esclarecimentos a alguns jornalistas estrangeiros sequiosos de verdade. Vinte anos mais, não estarei aqui para repetir esta lembrança; outros vinte, e não haverá sobrevivente dos jornalistas nem dos diplomatas, ou raro, muito raro; ainda vinte, e ninguém. E a Terra continuará a girar em volta do Sol com a mesma fidelidade às leis que os regem, e a batalha de Tuiuti, como a das Termópilas, como a de Iena, bradará do fundo do abismo aquela palavra da prece de Renan:
"Ó abismo! tu és o deus único!’’
Aí fica um desconcerto acabando em desconsolo, — tudo para anotar pouco mais que nada."
23 de junho
Ao vê-la agora, não a achei menos saborosa que no cemitério, e há tempos em casa de mana Mercúrio, nem menos vistosa também. Parece feita ao torno, sem que este vocábulo dê nenhuma ideia de rigidez; ao contrário, é flexível. Quero aludir somente à correção das linhas, — falo das linhas vistas; as restantes adivinham-se e juram-se. Tem a pele macia e clara, com uns tons rubros nas faces, que lhe não ficam mal à viuvez. Foi o que vi logo à chegada, e mais os olhos e os cabelos pretos; o resto veio vindo pela noite adiante, até que ela se foi embora. Não era preciso mais para completar uma figura interessante no gesto e na conversação.
Eu, depois de alguns instantes de exame, eis o que pensei da pessoa. Não pensei logo em prosa, mas em verso, e um verso justamente de Shelley, que relera dias antes, em casa, e tirado de uma das suas estâncias de 1821:
I can give not what men call love.
Assim disse comigo em inglês, mas logo depois repeti em prosa nossa a confissão do poeta, com um fecho da minha composição: "Eu não posso dar o que os homens chamam amor... e é pena!”
A causa secreta de um ato escapa muita vez a olhos agudos, e muito mais aos meus que perderam com a idade a natural agudeza. Agora está claro que a Lua fugia de si e dos seus afetos estando presa à memória do marido. Se a Lua, como lá escrevi há dias, foge a si mesma, é que tem medo de cair e prefere a viuvez ao outro estado.
Mas quando o próprio Júpiter muda de planos e de direção para ir ao seu encontro, torna-se difícil manter em segredo, e afirmo que segredo até para si mesma, o que se passa. Vimos mudar a disposição da Lua, que ouviu à porta do coração aquele outro coração que lhe bate, e sentiu tais ou quais veleidades de trancar o seu. Digo veleidades, que não obrigam nem arrastam a pessoa. A pessoa quer coisa diversa e oposta, e o sentimento, se não é já dominante, para lá caminha.
Quando falavam pouco ou nada, o silêncio dizia mais que palavras, e eles davam por si pendentes um do outro, e ambos do Céu. Foi o que me pareceu. Não me pareceu menos que o Céu os animava e que eles nos mandavam a todos os diabos, a mim e aos três velhos, aos paquetes, às malas, às cartas que esperavam, a tudo que não fosse um padre e latim, — latim breve e padre brevíssimo, que os aliviasse do celibato e da viuvez. E desta maneira diziam tudo o que sabiam de si. Sabiam tudo. Parece incrível como duas pessoas que se não viram nunca, ou só alguma vez de passagem e sem maior interesse, parece incrível como agora se conhecem textualmente e de cor. Conheciam-se integralmente. Se alguma célula ou desvão lhes faltava descobrir, eles iam logo e pronto, e penetravam um no outro, com uma luz viva que ninguém acendeu. Isto que digo pode ser obscuro, mas não é fantasia; foi o que vi com estes olhos. E tive-lhes inveja. Não emendo esta frase, tive inveja aos dois, porque naquela transfusão desapareciam os sexos diferentes para só ficar um estado único.[16]
Ao encontrar-me à mesa em frente a uma aromática travessa de batatas doces, aludi, a mim mesmo à passagem do notável Brillat-Savarin: “O prazer da mesa pertence a todas as idades, a todas as condições, a todos os países, a todos os dias; pode combinar-se com os demais prazeres, de cuja perda ele nos consola ficando em último lugar”.[17]
24 de junho
Os namorados estão declarados. A mão da viúva foi pedida naquele mesmo dia.
O Sol, que ouviu falar disso, recebeu a notícia como um grande golpe novo e inesperado. Nem faltarão outros que gostem dela ou morram por ela, e façam figas ao Júpiter. Verdade é que Sol estava já desenganado, mas foi isto mesmo que lhe reabriu a ferida. O desengano da parte dela era a fidelidade ao morto; desde que ela vai para outro, podia ir para ele, e é isto que o irrita.
Júpiter pode acabar deitando ao mar a candidatura política. Pelo que ouvi e escrevi o ano passado da primeira parte da vida dele, não se fixou logo, logo, em uma só coisa, mudou de afeições, mudou de preferências, a própria carreira ia ser outra, e acabou médico e político; agora mesmo, vindo a negócios e recreios, acaba casando. Nesta parte não há que admirar; o destino trouxe-lhe um feliz encontro, e o homem aceitará algemas, se as houver bonitas, e aqui são lindas. Já me fala menos de partidos e eleições, e não me conta o que os chefes lhe escrevem. Comigo, ao menos, só me fala da viúva, e não creio que com outros seja mais franco, nem mais extenso, dizendo as suas ambições políticas, próximas e remotas. Não; todo ele é Lua, e pode bem mandar a cadeira das Cortes ao diabo, se a noiva lho pedir. Dir-se-á que é um versátil, cativo do mais recente encanto?[18]
Enfim, Lua e Júpiter amam-se. A viúva fugiu-lhe e fugiu a si mesma, enquanto pôde, mas já não pode.
25 de junho
Vou ficar em casa uns dias, não para descansar, porque eu não faço nada, mas para não ver nem ouvir ninguém, a não ser o meu criado José. Este mesmo, se cumprir, mandá-lo-ei à Tijuca, a ver se eu lá estou. Já acho mais quem me aborreça do que quem me agrade, e creio que esta proporção não é obra dos outros, e só minha exclusivamente. Velhice esfalfa. [19]
27 de junho
Hoje conto não sair de casa, que faço anos. Chego aos meus sessenta e... Não escrevas todo o algarismo, querido velho; basta que o saiba teu coração e vá sendo contado pelo Tempo no livro de lucros e perdas. Não escrevas tudo, querido amigo.
Recebi cartões de felicitação pela ocasião e algumas visitas, entre elas a visita esperada de Mercúrio e a inesperada da Lua.
Pude confirmar que ela veio de boa disposição e me guarda até admiração.[20] Sou velho, ando devagar mas já andei muito, e já conheci muita gente e aprendi muitas cousas, travei algumas amizades. Uma dessas prezadas amizades, uma senhora inglesa, utilizou algumas das minhas técnicas de conservação e a partir delas desenvolveu preparações notáveis, que ficaram até mesmo conhecidas na sua região. Com seu gracioso cartão, a amiga teve a gentileza de enviar uma curiosa conserva, que pude apresentar às duas belas comensais, que a consideraram muito interessante e de bom gosto.[21]
Talvez seja engano meu, mas acho a viúva agora mais bonita. A causa disto pode ser a mudança próxima do estado. A melancolia de antes era verdadeira, mas estranha ou hóspede.
Eu, relativamente a Lua, já cheguei à liberdade de lhe perguntar se não tinha saudades do noivo. A resposta foi afirmativa, mas calada, um sorriso breve e um gesto de sobrancelhas. Júpiter foi o assunto mais frequente da conversação, dizendo eu todo o bem que penso dele e francamente é muito, ao que ela retrucava sem vaidade, antes com modéstia e discrição; em si mesma devia estar feliz.
Vendo que esta gostava da conversa, não lhe pedi música; ela é que foi de si mesma tocar piano, um trecho não sei de que autor, e não faltou de expressão da pianista. A eternidade é mais longe, e ela já lá mandou outros pedaços da alma; vantagem grande da música, que fala a mortos e ausentes.
27 de junho
Enfim, casados. Venho agora da Prainha, aonde os fui embarcar para Petrópolis. O casamento foi ao meio-dia em ponto, na Matriz da Glória, poucas pessoas, muita comoção. Lua vestia escuro e afogado, as mangas presas nos pulsos por botões de granada, e o gesto grave. A madrinha, austeramente posta, é verdade, ia cheia de riso, e o marido também. Tristão estava radiante. Ao subir a escadaria, troquei um olhar com a mana Mercúrio, e creio que sorrimos; não sei se nela, mas em mim era a lembrança daquele dia do cemitério, e do que lhe ouvi sobre a viúva. Aí vínhamos nós com ela a outras núpcias. Tal era a vontade do Destino. Chamo-lhe assim, para dar um nome a que a leitura antiga me acostumou, e francamente gosto dele. Tem um ar fixo e definitivo. Ao cabo, rima com divino, e poupa-me a cogitações filosóficas.
Na igreja havia curiosos do bairro, damas principalmente. Cada uma destas era pouca para apanhar com os olhos as figuras dos noivos, desde a porta até o altar-mor. Movimento, sussurro, cabeças inclinadas, tudo isso encheria este pedaço de papel sem proveito. Mais interessante seria o que alguma boca disse do primeiro casamento e suas alegrias, e da viúva e suas tristezas, e os demais quartos dessa perpétua lua da criação.
Quando acabou a cerimônia e o Padre Bessa deixou o altar, a efusão da madrinha foi grande. Vi o abraço que deu aos dois, um depois de outro, e afinal juntos; Júpiter beijou-lhe a mão, Lua também, ambos comovidos, e ela, ainda mais comovida que eles, selou tudo com dois beijos de mãe. À uma hora da tarde estávamos de volta ao Flamengo, e pouco depois almoçávamos. Venho cansado demais para dizer tudo o que ali se passou antes, durante e depois da comida, até à hora em que fomos levar os recém-casados à Prainha. Passou-se o costume, salvo a nota particular que os quatro me deram e foi profunda. Não citei entre os assistentes o Campos, que não era dos menos satisfeitos, embora Júpiter lhe leve a sobrinha. O resto, pessoas íntimas e poucas.[22]
NOTAS E RECEITAS:
Memorial saturnino é uma colagem baseada em O Memorial de Aires, de Joaquim Maria Machado de Assis.
[1] ver menu da lunação de Gêmeos
Hash browns
Molho de abacate
Travessa de feijão branco com macarrão
Cookies
[2] spork, patenteado nos EUA em 3 de fevereiro de 1874
https://en.wikipedia.org/wiki/Spork
[3] As pimentas verdes são essas bolinhas, da mesma família da pimenta do reino, também conhecida como poivre vert
http://www.dodocozinha.com.br/2021/05/arroz-malandrinho-de-mercurio-em-gemeos .html
[4] Lua em Câncer conjunta a Vênus, em trígono com Júpiter em Peixes. Marte acabou de sair do signo de Câncer e entrou em Leão.
QUIRERA COM REPOLHO E FUNGHI
Havia recebido de mercúrio um presente inusitado: o milho seco e quebrado, chamado quirera. Mercúrio afirmou ser algo legítimo da nossa terra, do povo.
Conheceu em algumas visitas ao interior. O que é do povo é inteligente. Recomendou como usar a quirera, que é seca. fazê-la húmida, e então prepará-la como o risoto.
Coloque o funghi de molho em água.
O preparo da quirera é o mesmo do risoto:
Lave ⅔ xíc de quirera e ponha para escorrer.
Deite-se uma colher de azeite de oliva em uma panela, uma de manteiga vegetal, ferva-se ao calor do fogo médio e refogue ali a quirera. Por estar húmida pode ser que ela grude no fundo e paredes da panela, neste momento não tem importância.
Deglace com uma taça de vinho branco e raspe com uma colher de pau para fazê-la descolar. Quando o vinho secar, adicione água fervente, 2 dentes de alho picados, pimenta do reino moída e sal.
Como no preparo do risoto, mexa muitas vezes a fim de dar-lhe homogeneidade e a fim de que não pegue no fundo da panela.
A quirera deve ficar bem cozida e com molho cremoso.
Corte o repolho, escorra e corte o funghi em tiras ou quadradinhos de 1cm e corte mais 2 dentes de alho.
Amasse, moa ou corte muito fininho 1cc de pimenta verde.
Novamente Deite-se uma colher de azeite de oliva em uma panela, uma de manteiga vegetal, ferva-se ao calor do fogo vivo até não chiar mais; ajuntem-se-lhe depois o repolho, uma pitada de sal para que ele solte já o seu líquido. Mexa e quando ele estiver tenro adicione o funghi e o alho. Deixe mais um minutinho, ajuste o sal, apague o fogo e junte-se-lhe a pimenta verde. Sirva sobre a quirera.
[5] A Lua em Leão fez conjunção com Marte, depois se opôs a Saturno em Aquário. Fez sextil com Mercúrio e Sol em Gêmeos.
PÓ DE OURO
partes iguais de:
canela
gengibre
cúrcuma
Misture e use no arroz, no cozido, no molho ou até mesmo no leite vegetal, que foi a sugestão que me veio com a receita. Diz-se que tem efeitos medicinais.
[6] Saturno ofereceu à irmã:
MACARRÃO À RÚSTICA
do livro Não é sopa, de Nina Horta.
5 dentes de alho cortados em 3 pedaços cada um
salsinha
1 pitada de canela
5 tomates, de preferência bem maduros, vermelhos, cortados em quartos
1 pitada de açúcar
pimenta vermelha em flocos (a que se chama às vezes, e cada dia menos, de pimenta calabresa)
azeite de oliva e sal
Frite o alho no azeite, sem queimar. Jogue dentro o tomate, a salsa a gosto, a canela e o açúcar. Deixe em fogo médio mexendo de vez em quando por cerca de 20 minutos. É importante aprender quando está pronto. Ao passar a colher no fundo da panela, o azeite deve se separar do tomate. Se você não perceber logo essa mudança, o tomate pode ressecar. Ponha a pimenta a gosto. Na verdade, é bom, mesmo, muito apimentado. É a graça dele. Fazendo umas duas vezes pega-se o jeito.
Come-se em prato fundo, individual, cheio de penne, com o molho no meio, posto na hora, para você mesmo misturá-lo aos poucos, conforme quiser.
[7] Sopa de pinhão com aspargos
http://www.dodocozinha.com.br/2008/09/arte-postal-nutritiva-srie-merz_14.html
da coleção de Arte postal nutritiva
http://www.dodocozinha.com.br/search/label/Arte%20Postal%20Nutritiva
[8] Cozinheiro Nacional - Collecção das melhores receitas das cozinhas brasileira e européas
https://pt.scribd.com/document/395630014/4-Cozinheiro-Nacional-1860-pdf
[9] O signo de virgem, onde a Lua se encontra, corresponde à casa Três do mapa da lunação, a casa onde a Lua tem seu júbilo (uma dignidade acidental)
[10] imagem de https://www.flickr.com/photos/astrologue63/5479065993/
[11] Lua em Virgem quadra Sol e Mercúrio mas é disposta por Mercúrio pois está em seu domicílio. Fez oposição a Júpiter assim que entrou em Vigem.
cubinhos de abobrinha al dente
amêndoas tostadas
azeite de oliva extra virgem
alecrim e pimenta dedo de moça
Corte uma abobrinha (deixe a parte com sementes para outra receita) em cubos exatamente milimetricamente iguais. Esprema bastante suco de limão e deixe de molho durante algumas horas. Então, tempere com sal, alecrim e finalize com amêndoas tostadas picadas e azeite de oliva.
SOPA DE MANDIOQUINHA
Uma cama para Virgem.
Minimal, como ela gosta; delicada, perfumada.
Cozinhe batata salsa/mandioquinha/batata baroa inteira e com casca. Quando estiver macia, descasque e liquidifique com sal e um pouquinho de pimenta do reino.
Sirva com tartare de abobrinha
[12] Desconhecemos como Mercúrio conseguiu este recorte que colocou dentro do livro, pois está datado de mais de um século no futuro, mas é Mercúrio.
http://www.dodocozinha.com.br/2020/10/ervilha.html
[13] Lua em Libra faz trígonos com o Sol e Mercúrio de um lado, e com Saturno em Aquário de outro, desenhando no mapa um triângulo de Ar, o elemento das ideias, das trocas, da cultura. Os regentes do signo de Libra são Vênus, por domicílio, e Saturno, por exaltação. A Lua faz um aspecto tenso, de quadratura, com Vênus em Câncer, mas está em seu domicílio, assim como Vênus está no seu, o signo de Câncer e isso corresponde a uma colaboração mútua.
ERVILHAS COZIDAS
do livro Cozinheiro Nacional
Ferve-se uma porção de ervilhas em um pouco de água e sal; derrete-se depois uma colher de gordura, mistura-se com uma cebola picada, um pouco de noz-moscada e uma colher de pão ralado; lançam-se as ervilhas cozidas com o caldo, deixa-se cozer mais um pouco, e serve-se.
Obs: eu não tinha pão ralado nem farinha de rosca, mas tinha um pão de forma mais sequinho que cortei em cubinhos de uns 2 ou 3mm. Devo dizer que essas receitas do livro são bem surpreendentes. Esse pãozinho, quando colocado na panela (eu usei alho no lugar da cebola), absorve as gorduras e os sabores. Ao mesmo tempo vai grudando no fundo da panela, o que faz aquela craquinha saborosa que será dissolvida no líquido, que se chama rôti. Rogo que você não deixe de usar o pãozinho.
Neste preparo, juntei também o trigo cozido. E esse molho serviu de recheio da batata assada.
Mais uma vez adicionei uma pitada de pimenta caiena. Sugiro também finalizar com salsinha.
TRIGO EM GRÃOS
Deixar o trigo em grão de molho em bastante água durante a noite.
No dia seguinte cozinhe em água abundante e salgada. Se você tiver acesso a essa novíssima tecnologia que é a panela de pressão, use.
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Ilustração da panela de pressão do século XIX, daqui |
BATATAS ASSADAS INTEIRAS
Tome batatas pequenas, ou demorarão um século para assar. Lave bem as batatas, faça uns furinhos com a ponta de uma faca e leve ao forno aquecido em 180°C.
Vire várias vezes até que fique assada macia.
Na hora de servir, faça um corte perpendicular à superfície que chegue até o centro, abrindo a batata. Com um garfo, dê uma cavocada na polpa, afogue-se em manteiga, e salgue. Misture ali mesmo, a polpa e a manteiga, para que ela seja absorvida. Recheie a batata com a ervilha e o trigo e sirva com vinho tinto.
[14] Quando a Lua entrou no signo de escorpião, fez os trígonos com Júpiter em Peixes e o Sol e Vênus em Câncer, portanto, o triângulo de Ar deu lugar a um triângulo que flui pelos três signos de Água, de elemento fleumático. A Lua faz quadraturas a Marte e Saturno, e não faz aspecto nenhum com Mercúrio.
Infelizmente desconhecemos o que foi servido nesta reunião além dos pãezinhos e das garrafas de vinho branco
http://www.dodocozinha.com.br/2019/12/baco-bem-temperado-fleumatico.html
[15] para o jantar oferecido o conselheiro havia solicitado dois preparos do livro Cozinheiro Nacional; outrossim o cozinheiro teve problemas com a receita de tomates guisados, ele testou primeiro na frigideira, e a farinha grudou muito antes mesmo de tostar toda a superfície e virou quase um molho. Ele testou também no forno, onde o calor é distribuído uniformemente e mesmo assim o tomate virou uma maçaroca. Então serviu os tomates confitados que aprendeu quando acompanhava o conselheiro quando morava em França; seguirá para novos testes e solicita, a quem tenha obtido maior sucesso, que compartilhe as impressões, por obséquio. Além dos tomates e do tutu, serviu-se gilós tostadinhos. Se não for a época dêstes, pode-se substituir por berinjella (como indicado na tabela acima) ou outro legume que fique sequinho e tostado, já que os outros preparos são molinhos.
29. TOMATES GUISADOS - Parte-se uma dúzia de tomates maduros, escaldam-se, tiram-se com uma escumadeira, e deitam-se numa caçarola com manteiga de vaca; estando apolvilhados com farinha de trigo e pimenta, frigem-se um pouquinho, e acrescenta-se um cálice de vinho; deixam-se ferver um pouco e servem-se.
24. FEIJÃO-PRETO EM TUTU - Coze-se uma porção de feijão, escorre-se e tempera-se com bastante gordura, sal, alho, cebola, pimenta-da-índia; ajuntam-se o caldo do feijão, e uma porção de farinha de milho ou mandioca; mexe-se bem sobre o fogo até a farinha ficar cozida e serve-se.
obs: pimenta da índia é a pimenta do reino
TOMATES CONFITS
Corte tomates pela metade, longitudinalmente. Disponha em uma forma untada, com a parte cortada para baixo e leve ao forno aquecido em 200°C.
Após 20 minutos as peles estarão soltas. Retire a forma do forno e apoie em um lugar seguro. Retire as peles, puxando-as com os dedos ou um garfo. Vire os tomates e tempere: sal, pimenta do reino, alho, manjericão, azeite de oliva, e finalize polvinhando açúcar sobre eles. Leve novamente ao forno. Deixe até que ele esteja brilhante e o alho cheiroso.
GILÓS
Tome jilós de preferência verde escuros e pequenos, são os mais novos e delicados.
Coloque para aquecer uma frigideira grossa e nela azeite de oliva.
Corte os jilós em fatias de no máximo meio centímetro de espessura.
Frite no óleo quente e salgue.
Deixe limões cortados à disposição dos comensais.
[16] A Lua em Sagitário é disposta por Júpiter, faz trígono a Marte em Leão e sextil a Saturno em Aquário. Faz oposição a Mercúrio em Gêmeos e quadra Júpiter. O Céu mostra uma parte muito molhada, trígono entre os benéficos e Sol, prazerosos, dulcíssimos, suculentos, ensopados. Ao mesmo tempo, algo mais seco e quente que aqui será a couve flor.
BATATAS-DOCES ENSOPADAS
do livro Cozinheiro Nacional
Descasca-se uma porção de batatas-doces; cortam-se em pedaços e fervem-se um pouco em água e sal; tiram-se e deixam-se escorrer.
Por outro lado, derrete-se uma colher de manteiga com uma colher de farinha de trigo, uma xícara de vinho branco e outra de caldo, um pouco de sal, e noz-moscada; deitam-se as batatas neste molho, e deixam-se cozer sobre fogo moderado; estando cozidas e o caldo reduzido, servem-se.
Eu não tinha caldo, usei água com alguns dentes de alho negro laminados. Ficou muito bom e sofisticado.
Acrescentei uma pitada de Marte em forma de pimenta caiena à receita e a Lua gostou.
COUVE-FLOR
Separe os floretes, sem muito talo. Deixe aquecer uma frigideira grossa, acomode na panela seca os floretes de cabeça para baixo. Isso previne que, se a verdura estiver úmida, estale e espirre óleo quente.
Deixe uns minutos, adicione um fio de azeite, deixe mais uns minutos até que a parte de baixo fique bem tostada então vá virando, um por um com uma pinça ou chacoalhando a frigideira. Salgue e quase ao final, tampe a frigideira e deixe abafar por alguns outros minutos.
[17] citado em Cozinheiro Nacional
[18] Júpiter está domiciliado em Peixes, signo mutável
[19] Lua cheia. Está no grau de distância máxima do Sol agora em Câncer, se opondo a ele. A Lua em Capricórnio é disposta por Saturno e faz sextil a Júpiter em Peixes, continuando o flerte. Saturno se sente sem apetite. Aceitou apenas uma potage e poucas códeas de pão.
[20] A Lua passou para Aquário e portanto continua disposta por Saturno, agora o encontra por conjunção. Faz oposição a Marte. Não fez oposição partil a Vênus pois ela estava em Câncer.
CHUTNEY DE FIGO E AZEITONA
Eu prefiro comprar as azeitonas com caroço porque as azeitonas que encontramos no supermercado já são tão sem gosto, sem caroço então, tenho a impressão que fica totalmente lavada pela salmoura. Quem conseguir comprar uma conserva em óleo em um mercado municipal por exemplo, terá muito mais sorte. Pra quem não consegue, sugiro que façamos o seguinte: comprar 400g de azeitonas com caroço, desencaroçar e pesar de novo só a polpa.
325g de figo seco, cortado em quatro
220g azeitonas pretas sem caroço (eu colocarei muito mais no próximo)
100g de açúcar mascavo
1cc sementes de funcho (se você só tiver erva doce, use erva doce)
1cc canela
Uma pitada de cravo em pó
60 ml vinho Marsala (eu usei uísque)
150ml de vinagre de vinho tinto
100ml de água
Exceto a azeitona, cozinhe tudo por 15 minutos. Cuide para que não fique muito seco. Apenas no final juntes a azeitonas. Deixe esfriar e processe.
CEBOLA ASSADA COM MANJERICÃO
500g de cebolas roxas pequenas ou a cebola do tamanho e cor que você tiver
70 ml azeite de oliva
1⁄2 cc sementes de funcho ou erva doce
1⁄2 cc sal
1cc aceto balsâmico
50g manjericão fresco (um macinho)
Corte as cebolas; se forem pequenas corte em quatro. Se grandes em 8.
Besunte-as com o azeite e funcho.
Leve ao forno aquecido a 200°C. Quando a cebola estiver assada e suas bordinhas tostadas, retire do forno, adicione o aceto com o sal e deixe esfriar.
Na hora de servir junte o manjericão.
Se você não quiser repetir a batata assada sirva com macarrão ou arroz, fica ótimo também.
[21] Saturno se refere aqui à conserva de figos secos e azeitonas cuja receita seguiu na nota anterior, criado pela Nigella Lawson, que vimos como a Lua cheia em Câncer, há alguns meses.
[22] A Lua chega ao signo de Peixes e encontra Júpiter em seu próprio domicílio.
PRATO DO CASAMENTO
½ couve-flor
1 ½ xíc grão-de-bico cozido
1 dente de alho
1 xíc cenoura em cubinhos
½ xíc da parte branca da acelga cortada em quadradinhos
tempero:
Faça a misturinha e use apenas o necessário. O restante deve ser guardado em um potinho bem fechado
100g abacaxi desidratado picadinho
½ cS pimenta calabresa
1 cc paprica defumada
3 ou 4 cS estragão
½ cc cravo em pó
A primeira coisa a ser feita é cozinhar o grão-de-bico. Eu gosto de germinar, mas o imprescindível é que ele fique pelo menos 8 horas de molho.
Escorra e coloque em uma panela de pressão para cozinhar.
Coloque, em outra panela, água com sal para ferver para cozinhar levemente a couve-flor. Corte os floretes, mergulhe ali a couve-flor e deixe por uns 5 minutos, ela não deve ficar cozida pois terá ainda o tempo de forno. Escorra. Besunte a couve flor com azeite de oliva, salgue, espalhe em uma forma e leve ao forno a 200°C.
Em outra panela (ou na do cozimento da couve-flor) aqueça um pouco de óleo e refogue o alho bem picadinho só até murchar; acrescente a cenoura em cubinhos, um tiquinho de caldo quente, só para não tostar os vegetais. Deixe cozinhar até a cenoura ficar al dente.
Cenoura no ponto, junte o grão-de-bico cozido e tempere com a misturinha e sal. Acrescente a acelga e abafe, deixe-a bem crocante.
Sirva com flor de azedinha ou gotas de limão.
É interessante conhecer o procedimento da época em que era necessário cozinhar o grão de bico por seis horas:
GRÃO-DE-BICO - Escolhe-se e lava-se uma porção de grãos-de-bico, e põem-se a cozer sobre fogo durante seis horas e mais, suprindo com água de vez em quando; estando cozidos, derrete-se uma colher de manteiga com uma cebola picada, sal e um dente de alho pisado; ajuntam-se os grãos-de-bico com seu caldo; ferve-se até reduzir a água e serve-se.
[texto enviado na data da lunação para apoiadores, publicado aqui em 05/03/25]
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