Fazer sanduíches é uma arte que
poucos têm condições de sequer enconrar tempo para explorar. É uma tarefa
simples, mas as oportunidades de satisfação são inúmeras e profundas: escolher
o pão certo, por exemplo. O Fazedor de Sanduíches passara vários meses fazendo
consultas e experiências diárias com o padeiro Grarp, até criarem, finalmente,
um pão com uma consistência densa o suficiente para ser cortado em fatias finas
e perfeitas, mas ao mesmo tempo leve, molhadinho e com aquele delicado sabor de
nozes que realçava o gosto da carne assada das Bestas Perfeitamente Normais.
Sem
contar com a geometria da fatia, que devia ser refinada: as relações exatas
entre a largura e a altura da fatia e sua grossura, que conferem o senso
adequado de volume e peso ao sanduíche pronto – aqui, mais uma vez, a leveza
era uma virtude, mas também a firmeza, a generosidade e a promessa de
suculência e sabor que são a marca registrada de uma experiência sanduichística
verdadeiramente intensa.
Os
utensílios adequados, é claro, eram cruciais, e o Fazedor de Sanduíches passava
vários dias, quando não estava ocupado com o padeiro e seu forno, com Strinder,
o Fazedos de Utensílios, pesando e comparando facas, indo e voltando da
fornalha. Maleabilidade, força, agudeza do corte, comprimento e peso eram
entusiasticamente debatidos; teorias eram criadas, testadas, refinadas e não
eram poucas as tardes onde se podia ver a silhuetas do Fazedor de Sanduíches e
do Fazedor de Utensílios delineadas contra a luz do pôr-do-sol, enquanto o
amolador de facas do Fazedor de Utensílios cortava o ar em movimentos lentos,
lixava as suas lâminas, experimentava uma a uma, comparando o peso de uma com o
equilíbrio da outra, a maleabilidade de uma terceira e o cabo de uma quarta.
Eram
necessárias quatro facas ao todo. Primeiro, a faca para fatiar o pão: uma
lâmina firme, vigorosa, que impunha um propósito claro e definido no pão.
Depois, a faca para espalhar manteiga, maleável mas com um cabo firme. As
primeiras versões tinham ficado frouxas demais, mas depois a combinação de
flexibilidade com força foi aperfeiçoada para alcançar o máximo de suavidade e
graça na hora de espalhar a manteiga.
Dentre
todas as facas, a principal era obviamente era a de trinchar. Esta era a faca
que não iria apenas impor a sua vontade no meio pelo qual se deslocava, como
ocorria com a faca do pão. Ela precisava trabalhar com a carne, ser guiada por
sua fibra, produzir fatias primorosamente consistentes e translúcidas que se
soltassem gentilmente em dobras finas do pedaço maior da carne. O Fazedor de
Sanduíches encaixava cada fatia de carne, fazendo um gracioso meneio com o
punho, nas lindamente proporcionais fatias debaixo do pão, cortava as arestas
com quatro golpes habilidosos e, finalmente, realizava a mágica que todas as
crianças da cidade gostavam tanto de se reunir para admirar, embevecidas e maravilhadas.
Com mais quatro golpes hábeis da faca, ele reunia as sobras descartadas em um
perfeito quebra-cabeça sobre a primeira fatia. Cada sanduíche tinha sobras de
tamanho e formato diferentes, mas o Fazedor de Sanduíches sempre dava um jeito
de reuni-las, aparentemente sem esforço e sem hesitação, em um padrão que se
encaixava perfeitamente. Mais uma segunda camada de carne e uma segunda camada
de sobras e, pronto, o ato principal da criação estava concluído.
O
Fazedor de Sanduíches passava sua criação para o assistente, que acrescentava
algumas fatias de nopino, ranabete e molho de espramboesa, colocava a fatia
final de pão sobre o recheio e cortava o sanduíche com a quarta faca, a mais
simples de todas. Essas operações certamente exigiam uma certa habilidade, mas
eram habilidades inferiores, que podiam ser desempenhadas por um aprendiz
dedicado que um dia, quando o Fazedor de Sanduíches pendurasse suas facas,
assumiria o seu lugar. Era uma posição muito nobre, e Drimple, o aprendiz, era
invejado por todos os seus amigos. Algumas pessoas na cidade estavam
satisfeitas cortando lenha, contentes por carregar água, mas ser o Fazedor de
Sanduíches era, definitivamente, o máximo.
E então
lá estava o Fazedor de Sanduíches cantando enquanto trabalhava.”
In: ADAMS, Douglas. Praticamente Inofensiva. Volume Três da Série O MOCHILEIRO DAS GALÁXIAS. São Paulo:
Arqueiro. 2010. págs. 99 a 101
Nenhum comentário:
Postar um comentário