“No
dia, houve o casamento, no civil e no religioso. Na igreja, de joelhos diante
do altar, ele julgava ouvir, alternadamente, a voz do amigo e a do médico. Uma
dizendo: – “A primeira noite é tudo”. E a outra: – “Nada
de salgadinhos! Nada de doces!”. De fato, desde as primeiras horas do dia que
observava um extremo rigor de alimentação. Renunciara ao leite, que podia fazer
mal ao fígado; alimentara-se, sobretudo, de frutas acima de qualquer suspeita: –
bananas e mamão. Não almoçara, porque a hora do almoço coincidira com a do
civil. Ao sair da igreja, sentia fome. Chegara de volta à casa dos sogros com
fome. Viu os salgadinhos, os doces e, a despeito de uma tentação violenta,
manteve-se irredutível. De vez em quando, pessoas da casa passavam com pratos
de sanduíches, de pastéis, de doces. Perguntavam:
–
Aceita um?
Respondia,
heróico:
– Não,
obrigado.
Ficou,
assim, inexpugnável, até o fim. A noiva que, por natureza, tinha um apetite de
passarinho, não tocou em nada. Minto: – aceitou um pastelzinho. Ele ainda teve
vontade de sugerir-lhe: – “Não faça isso!”. Calou-se, porém. Por fim saíram, de
táxi alugado, para um hotel no centro, onde tinha alugado um apartamento no
décimo segundo andar para a lua-de-mel. Ao entrar no carro, Dalva balbucia: – “Não
sei, mas não estou me sentindo bem”. Sem dizer nada, guardou para si a
intuição: – “Foi o pastelzinho”. No meio do caminho, novo lamento: – “Estou me
sentindo tão mal!”. Falara de dentes trincados. Disse ainda: – “Tomara que a
gente chegue logo, tomara!”. Sentindo a angústia do ser amado, comandou o chauffeur: – “Quer andar mais depressa?”.
Ao lado, Dalva crispava-se toda, gelada de dor. Sérgio baixa a voz:
–
Queres que eu compre elixir paregórico?
– Não
diz isso. Não diz nada. Só quero é chegar, meu Deus!
Ia
balbuciando: – “Não sei se aguento! Não sei se aguento!”. Ele finalmente diz: –
“Foi aquele pastelzinho, não foi?”. Ela arquejava, chamando a atenção das
pessoas. Sobe o elevador com o marido, que apanhara a chave. Lá em cima, exigiu: – “Não entra, fica no corredor!”. Ele espera uns vinte minutos.
Nada. Empurra e vem, então, lá de dentro, o berro: “Não!”. Da porta, pergunta: – “Queres elixir paregórico?”. Outro “não”
violento.
Mais
meia hora e quer forçar a situação. Entra. Mas quando Dalva percebe que o
marido está ali, alucina-se. Ele a viu correr em direção da janela, trepar no
parapeito e atirar-se lá de cima, do décimo segundo andar, deixando no ar o seu
grito em flor.
Meia
hora depois, chegam parentes, amigos, simples conhecidos. Diante da morte de
uma noiva, em sua primeira noite, insinuou-se, em todos os espíritos, a ideia de
um tenebroso crime sexual. O sogro de Sérgio agarrou-o pela gola e o sacudiu,
aos berros:
– Ela matou-se por que?
Respondeu,
num soluço imenso:
– Uma
cólica a matou! Foi o pastelzinho!
in: RODRIGUES, Nelson. O Melhor do Romance, Contos e Crônicas. São Paulo: Companhia das Letras. 1993
2 comentários:
Bem lembrado do velho Nelson... Que mente aguçada a dele.
Ótimo né Ana? :D
Postar um comentário