“A mulher perguntou, Sente-se mal, Sr. José, quer um copo de
água, Estou bem, não se preocupe, respondeu ele, envergonhado do impulso
maldoso, Vou-lhe fazer um chá, Não é preciso, muito obrigado, não quero
incomodar, nesta altura o Sr. José já se sentia mais rasteiro e humilhado do
que o pó da rua, a senhora do rés-do-chão saíra da sala, ouvia-a mexer em
louças na cozinha, passaram alguns minutos, primeiro que tudo há que ferver a
água, o Sr. José lembra-se de ter lido em qualquer parte, provavelmente numa
das revistas donde recortava retratos de pessoas célebres, que o chá deve ser
feito com água que ferveu mas já não ferve, podia ter-se contentado com o copo de água fresca, mas a infusão
vai-lhe cair muito melhor, toda a gente sabe que para levantar o ânimo descaído
não há nada que chegue a uma chávena de chá, dizem-no todos os manuais, tanto
do oriente como do ocidente. A dona da casa apareceu com o tabuleiro, trazia
também um pratinho de bolachas, além do bule, das chávenas e do açucareiro, Nem
lhe perguntei se gostava de chá, só pensei que nesta altura seria preferível ao
café, disse, Gosto de chá, sim senhora, gosto muito, Quer açúcar, Nunca ponho,
de repente ficou pálido, a suar, achou que devia justificar-se, Devem ter sido
ainda os restos duma gripe que apanhei, Nesse caso, se eu tivesse chegado a
telefonar, o mais certo seria não o encontrar na Conservatória Geral, teria
mesmo de contar ao seu chefe o que se passou comigo. Desta vez o suor apenas
humedeceu as palmas das mãos do Sr. José, mas ainda assim foi uma sorte estar a
chávena em cima da mesa, segurasse-a ele naquele momento que a porcelana teria
ido parar ao chão, ou derramar-se-ia o chá escaldante nas pernas do aflito
auxiliar de escrita, com as consequências óbvias, imediatamente a queimadura,
depois o regresso das calças à lavandaria. O Sr. José colheu uma bolacha do
prato, deu-lhe uma dentada lenta, sem gosto, e, disfarçando com o movimento de
mastigação a dificuldade com que lhe saíam as palavras, conseguiu formar a
pergunta que tardava, E que informação era essa que tinha para me dar. A mulher
bebeu um pouco de chá, estendeu a mão hesitante para o prato das bolachas, mas
não concluiu o gesto. Disse, Recorda-se de eu lhe ter sugerido, no fim da sua
visita, quando já se ia a retirar, que procurasse na lista telefónica o nome da
minha afilhada, Recordo-me, mas preferi não seguir o seu conselho, Porquê, É
muito difícil de explicar, Com certeza terá tido as suas razões, Dar razões par
ao que se faz ou se deixa de fazer é o que
há de mais fácil, quando percebemos que as não temos ou não as temos
suficientes tratamos de inventá-las.”
In: SARAMAGO, José. Todos os Nomes. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007, pags 189-190
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