04 julho 2015

O espelho dos nomes



– Quem é você? pergunta Daniel (que não gosta de seu nome).
– O meu nome é Icael – responde o outro, sorrindo. – Vamos comer doce de abóbora?
– Doce de abóbora? – repete Daniel, que está mesmo com fome.
– Ali se faz – responde Icael, apontando para uma casinha que está plantada no meio de uma grande plantação de abóbora.
– Alice faz? Quem é Alice? – pergunta Daniel, meio confuso.
– Não tem Alice nenhuma – responde Icael. – Eu disse que ali se faz, ali, naquela casa, se faz o melhor doce de abóbora do mundo todo.
– Ah, entendi! E quem é que faz?
– Ana Groma – responde Icael. – A melhor cozinheira dessas terras.
– Ana Groma? – repete Daniel. – Que nome mais engraçado...
E os dois se põem a caminho da casa, atravessando a plantação. Daniel se espanta com o tamanho das abóboras, que são enormes, e dos mais diferentes tipos e formatos.
Daniel acha divertida aquela casa com forma de abóbora, cheia de gomos gordos. E comenta:
– Muito legal essa casa, cheia de gomos!
– Cada um desses gomos se chama abóbada – explica Tomenota, espichando-se um pouquinho para fora do bolso da camisa do menino. – Uma casa cheia de abóbadas é uma casa abobalhada. Esse tipo de casa só existe nas plantações de abóbora, e quem mora nela é chamado cabrobó...
Mas Daniel nem se importa com as explicações malucas do livro. É que de dentro da casinha está vindo um cheiro delicioso, um cheiro doce e bom de doce bom...

Quando chegam na frente da porta, Icael dá três pancadinhas: toc... toc... toc...
A porta se abre e aparece uma mulher sorridente e gorda, que mais parece, ela também, uma abóbora.
– Olá, Ana Groma – cumprimenta Icael.

– Olá, meninos, Icael e Daniel! Entrem logo, fechem a porta, venham até a cozinha, pois estou para começar uma nova encomenda de doce!
E enquanto fala, ela sai andando, deslizando, patinando, como se tivesse rodinhas nos pés.
– Sentem-se, sentem-se, meninos, Icael e Daniel! A casa é sua, a casa é nossa, vamos logo começar, antes que o tempo se esgote. Temos de preparar a encomenda, não é?
Daniel não sabe do que ela está falando, mas não se importa.
– Querem comer um pouquinho do doce de meia hora atrás? – pergunta Ana Groma.
Os meninos, que já se sentaram numa mesinha redonda, fazem sim com a cabeça.
– Cá está, cá está! – diz Ana Groma, que abriu um armário e de lá tirou um pote de porcelana (em forma de abóbora, como você adivinhou?). Deixa ele no meio da mesinha, dá uma colher a cada menino e diz: – Comam tudo, comam à vontade, não deixem nada ficar...
Eles obedecem na hora. Daniel prova um pouquinho e fica encantado com aquele doce de abóbora saboroso. Nunca provou nada igual.
Enquanto eles comem, Ana Groma joga uma grande quantidade de abóbora cortada em cubos dentro de um enorme caldeirão de água fervendo. Com uma colher de pau do tamanho de uma vassoura, vai mexendo e cantando:
– Já está pra começar
outra vez a nossa óbora,
a colher vamos mexendo
nesta mágica manóbora
de fazer o melhor doce,
nosso doce de abóbora!
É de dar água na boca,
nossa língua se desdóbora
pra lamber o inteiro pote
sem deixar nenhuma sóbora
do melhor doce do mundo,
nosso doce de abóbora!
Daniel acredita nos versos da cantiga: aquele doce é igual a nada do que ele já comeu em toda a vida.
Icael então pede:
– Ana Groma, conta aquela historia pra gente!
– Aquela história? – pergunta a mulher.
– Aquela mesma! – confirma Icael.
– Que história? – quer saber Daniel.
A mulher sorri, começa a jogar açúcar dentro do caldeirão e só depois responde:
– Que história? Só pode ser uma história de abóbora!
E sem parar de mexer a grande colher de pau, ela começa a contar.


in: BAGNO, Marcos. O espelho dos nomes. São Paulo: Ática. 2006. pag 48-50

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