"- Pessoal, se tivesse um pouco mais de espaço, como gostaria de preparar um tagliatelle!
E naquele momento todos pensamos que teriam ocupado os seus roliços braços movendo-se para frente e para trás com o rolo a adelgaçar a massa, o grande volume de peito descendo sobre o grande monte de farinha e de ovos que atulhava a imensa travessa enquanto seus braços amassavam amassavam, brancos e untados de óleo até os cotovelos; pensamos no espaço que haveria de ocupar a farinha, e o grão para fazer a farinha, e os campos para cultivar o grão, e as montanhas das quais descia a água para irrigar os campos, e os pastos para os rebanhos de gado que forneceriam a carne para o molho; no espaço que seria necessário para que o Sol chegasse com seus raios e amadurecesse o grão; no espaço que seria necessário para que a partir das nuvens de gás estelares o Sol se condensasse e inflamasse; na quantidade de estrelas e galáxias e amontoados galácticos em fuga no espaço que teria sido necessário para manter suspensa cada galáxia cada nebulosa cada sol cada planeta, e no momento mesmo em que o pensávamos esse espaço começou, incontidamente, a se formar; no exato momento em que a senhora Ph(i)Nko pronunciava aquelas palavras: "... um tagliatelle, hein, pessoal!", o ponto que continha e a nós todos se expandia numa auréola de distâncias de anos-luz e milhares de anos-luz, e éramos projetados para os quatro cantos do universo (...), e ela se dissolveu não sei em que espécie de energia luz calor, ela, a senhora Ph(i)Nko, aquela que em meio ao nosso fechado mundo mesquinho fora capaz de um impulso generoso, o primeiro, "Ah, pessoal, que tagliatelle eu prepararia!", um verdadeiro impulso de amor geral, dando inicio no mesmo instante ao conceito de espaço, e ao espaço propriamente dito, e ao tempo, e à gravitação universal, e ao universo gravitante, tornando possiveis, milhares e milhares de sóis, de planetas, de campos de trigo e de senhoras Ph(i)Nko, espersas pelos continentes dos planetas batendo a massa com seus braços brancos enfarinhados, untuosos e generosos, enquanto ela se perdia a partir daquele instante, deixando-nos a recordá-la saudosos."
Italo Calvino - As Cosmicômicas
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